segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O carro antigo e a gestão de empresas.


Meu amigo Ricardo Prado do MG Club, que é engenheiro mecânico, escreveu este interessante artigo traçando um paralelo entre a administração de empresas e o hobbie de reformar automóveis antigos.
O artigo foi publicado originalmente na edição nº52 da Revista de Marketing Industrial.
Recomendo a leitura aos meus amigos Administradores e "Marketeiros".

Desde pequeno, sempre achei ser uma coisa absolutamente normal, gostar de automóveis. Com o tempo, este gosto foi sendo refinado e se transformou em um ``hobby´´ focado em carros antigos. Afinal, venho de uma família onde meu pai, um excelente engenheiro daqueles da velha guarda, trabalhou por muitos anos na Indústria Automobilística , desde os seus primórdios no nosso país. E sem dúvida, isto foi uma grande influência.


Comecei a pensar em escrever este artigo, não pelo fato acima, já que como disse antes, para mim tudo sempre foi absolutamente natural, mas por uma série de pequenos fatos peculiares, entre eles de eu já ter sido apresentado uma vez ou outra às amiguinhas de minhas sobrinhas como seu tio mas sempre com as palavras: ``mas olha... não liga. É que ele é louco por carros!´´.


Óbviamente isto não significaria nada para mim, além de uma ponta de orgulho pelo reconhecimento da minha paixão, se não fosse o fato de que, em seguida, estas meninas de sete anos sempre me olharem com olhos arregalados, com um misto de surpresa e talvez até terror, como seu fosse um E.T. automotor.

Isto me fez pensar por que este tipo de reação das crianças de sete anos e não só delas!


Longas jornadas de pesquisas e muitas horas de trabalho braçal e intelectual são normalmente gastas na tentativa de recuperar uma máquina criada no passado, resultado de enormes esforços de engenharia e de pessoas altamente comprometidas que muitas vezes, fizeram muito com muito poucos recursos. Preservar a história, os casos de sucesso e as criações propriamente ditas, visando instruir as futuras gerações e dar sentido ao ponto que chegamos hoje, deveria ser obrigação de qualquer cidadão.

Andando avante com estas considerações, comecei a ver que deste hobby, pude tirar importantes experiências e aprendizados para a vida pessoal e profissional, formando uma excelente experiência e desenvolvendo novas habilidades em vários campos. Muito importante ainda, aprendendo a controlar a ansiedade e cultivando a paciência. Posso dizer portanto, que neste caso a paixão e o hobby tiveram uma contribuição importante e útil na minha vida.


A primeira grande lição do carro antigo é que sem um grande esforço, não se pode colher um resultado diferenciado, seja em qualidade, confiabilidade ou precisão nos detalhes da máquina restaurada. Talvez por isto, é que eu realmente acredite que é uma grande escola para jovens, pois o esforço e dedicação em um trabalho de restauração pagam sempre com a realização pessoal, sensação de dever cumprido e reconhecimento dos pares, amigos e sociedade, chegando a arrancar aplausos de desconhecidos nos passeios de domingo.



MG TC 1948 . Foram 26 livros comprados, inúmeras fotos de detalhes tiradas de diversos carros em vários países, eventos e Museus e muitas conversas com especialistas do Brasil, EUA, Inglaterra e Argentina. Tudo começou em 1981 com o erro clássico de comprar sem conhecer o tamanho do problema, o qual se revelou muitíssimo maior que o imaginado, levando a um projeto longo, penoso e apaixonado, que terminou após 25 anos de restauração!


Outra lição, é que nenhum esforço pode ter seu resultado maximizado sem um detalhado trabalho de planejamento.


Planejar a ordem das tarefas em uma restauração, organizar outras opcionais para se ganhar tempo quando as principais param por falta de informação, peças ou fornecedores, estudar previamente o fluxo de caixa necessário para uma talvez longa jornada de desembolsos e ser flexível para enfrentar as surpresas que aparecem e que exigem mudança de método ou processo, são desafios constantes neste lazer. Uma restauração desordenada custa mais caro, toma mais tempo e energia e o produto final, se sair, pode ser muito aquém da expectativa. Nada diferente do que acontece em qualquer empresa ou projeto no dia a dia de qualquer pessoa.




Uma coisa que ficou bem clara depois de destes 35 anos ``no ramo´´, é que qualquer evento ou problema que não é tratado completamente ou corretamente no momento certo durante uma restauração, aparece depois, potencializado, na hora menos indicada.


Portanto, bem aos moldes do mestre Deming, tudo deve ser feito corretamente, da maneira certa, e da primeira vez. Depois, a coisa vai ficar cara, demorada e ruim. No caso do carro antigo, ainda vai estragar aquela viagem ou passeio tão esperados com amigos ou família.


Um planejamento detalhado não alcança o seu objetivo final se não seguirmos os trabalhos também em detalhes, com verificação dos eventos mais importantes, revisão dos planos em andamento e tomada de decisões para recolocar em linha com o objetivo final.


Qualquer coisa que não esteja alinhada com o resultado esperado deve ser tratada e resolvida. Aqui de novo a experiência ajudou a ensinar como se deve trabalhar. Mais uma sinergia entre esta agradável ocupação e a vida executiva.


Como em qualquer profissão, a base teórica ou ``know-how´´ é fundamental.


Aprender o que deve ser feito e o que não pode ser, e estudar detalhes de como era originalmente na época um determinado automóvel para poder ser fiel aos detalhes, é uma das mais importantes etapas. Os mais inexperientes, em geral, se animam em partir para a jornada ao desconhecido, tentado aprender durante a mesma. Vale pela coragem. Mas aqui, a lição é que os mais preparados, no sentido de que se dedicaram mais às pesquisas e ao conhecimento técnico específico, em geral colhem resultados melhores. No meu entender, assim também é a vida profissional. Outro ensinamento positivo desta saudável brincadeira.


Mas no trabalho ou empreendedorismo, mais coisas separam os bons profissionais dos demais. Uma delas é a capacidade de conhecer as pessoas, recrutar bons pares, saber motivar os times e bem se relacionar com todos.


Selecionar os profissionais que vão prestar os serviços específicos como por exemplo, funilaria, pintura, restauração de madeiras, tapeçaria, usinagem, balanceamento, fundição de peças, soldas finas e técnicas, etc. não é uma tarefa fácil. Desde meus dezessete anos tentando observar as pessoas e profissionais desta área, aprendi muito, o que me garantiu uma base interessante de aprendizado na área de relacionamento e motivação. E uma coisa destas, qualquer pessoa carrega como conhecimento durante sua vida profissional.


Como ocorre em todo projeto longo – uma restauração normalmente pode tomar de dois a cinco anos e às vezes mais - a paciência e perseverança são exercitadas dia após dia. Muito bom para ensinar a não perder o foco do objetivo final e a não desistir mesmo após grandes derrotas. E se você que lê este artigo, não acredita em grandes derrotas em uma simples restauração, experimente pensar em tomar alguns anos para encontrar ``aquele´´ virabrequim original que substitua o seu inaproveitável e ao mandar para a usinagem, o operador da máquina de retífica matar esta peça única.


Paciência e noção de resultado a longo prazo podem ser, sem dúvida, de extrema utilidade aos nossos jovens principalmente, acostumados com o mundo imediato de um simples clique de um Mouse.


Outra lição para toda a vida é a arte e habilidade de negociar. Neste hobby e acredito em tantos outros, é comum encontrar os mais diversos tipos de pessoas, com as mais variadas formações e os mais diversos interesses. Negociar a compra de um automóvel que você sonhou toda a sua vida ou daquela peça rara que falta na sua obra prima, pode ser um exercício muito divertido e de alto grau de ensinamentos.


Primeiro porque nem sempre, nestas condições é possível estabelecer uma relação entre as partes interessadas de maneira rápida e eficiente. Fazer isto, frequentemente exige algum tempo e habilidade.


Ainda, além da dificuldade de identificar os reais interesses do vendedor ou comprador, frequentemente nos deparamos com uma situação onde o que está à venda não é um objeto mas sim um sonho de alguém ou até praticamente um ente da família! Esta condição, distorce o valor real do bem e leva a decisão, muitas vezes, para o campo do intangível, exigindo grande habilidade para se encontrar quais os argumentos que sua contraparte estaria sensível.


Negociar em uma situação destas, exige muita atenção e cuidado pois qualquer movimento inadequado pode bloquear para sempre a negociação, causando reações anormais e até inesperadas pelo alto grau de ``ofensa pessoal´´ que uma das partes se sente submetida.


Portanto exercitar a negociação 3D, que já foi matéria de artigos anteriores nesta revista (Revista marketing Industrial no. XX), é fator crucial se você está em busca de realizar seu sonho.



Uma restauração como esta, sem dúvida é um grande desafio em relação à pesquisa necessária, fidelidade do trabalho executado e pelo tempo empregado. Neste exemplo, a maior barreira a ultrapassar foi a negociação para a compra que tomou 18 meses e só se concretizou após o proprietário ter a certeza que o novo dono iria ter mais cuidado e respeito com a máquina que o próprio vendedor. Todas as dimensões da negociação 3D (David Lax e James Sebenius, Harvard Business School) foram utilizadas no período, com planejamento detalhado, inclusão de mais partes na negociação para criação de confiabilidade, ancoragem e identificação das razões reais e pontos valorizados pelo vendedor para concluir o negócio.



Um outro grande mérito dos carros antigos e, imagino, de tantos outros hobbies, é exercitar a capacidade de se relacionar com outras pessoas, através de rede de profissionais e colecionadores, eventos, feiras e da fundação e administração de clubes afins, criando uma importante rede de acesso ao conhecimento.


Esta rede, proporciona uma visão holística do mundo, já que é formada não só por pessoas de mesma profissão e formação, ajudando a aumentar o conhecimento de cada um, auxiliando em informações sobre os mais diversos assuntos dentro e fora do hobby e no meu caso, levando à criação de longas e duradouras amizades.


Depois de alguns anos, posso dizer que esta maravilhosa rede de amigos e conhecidos do mundo do carro antigo, se estendeu por vários países. Aqui mais uma vantagem para as pessoas da vida executiva e principalmente para seus familiares, nem sempre muito expostos a diferentes culturas e hábitos.

A história, soluções técnicas e formas artísticas diferentes das atuais, despertam o interesse de crianças e adultos de qualquer idade, formando uma conexão imediata com as pessoas ao redor, sem barreiras de cultura, língua ou idade.





Dar a oportunidade aos cônjuges e filhos de poder conhecer outras culturas, através de amigos do mesmo hobby ou em competições esportivas e feiras em outros países é muito importante. Muitas pessoas sofrem muito durante a sua vida pessoal ou profissional, pela falta de capacidade de adaptação ou de habilidade de negociação, só para citar dois exemplos. Por raciocinarem sempre com base na sua própria cultura passam a ter enormes dificuldades de se colocar no lugar dos outros, prejudicando relações, negócios e criação de amizades. Proporcionar a seus filhos, desde cedo, a oportunidade de entender e reconhecer diferenças por exemplo, negociando peças e objetos em feirinhas de outros países e em outras línguas, pode ajudar a formar uma capacidade de reconhecer o Foco do Cliente nas mais diversas situações e em reconhecer que podem haver maneiras diversas de se ver a mesma coisa. Quem sabe todo pai não deveria colecionar algo seriamente para ter filhos altamente capacitados em Marketing Industrial? Podemos até não ir tão longe, mas tenho convicção que ajuda.



 Eventos e exposições são ocasiões importantes para relacionamento, aumentar o conhecimento sobre o assunto e reconhecer o quanto precisamos aprender para chegar a um grau de perfeição como o mostrado acima. Na foto, um Pungs-Finch Limited 1906, carro americano produzido pela Pungs-Finch Automobile de 1904 a 1910.



Com o tempo as primeiras redes de contatos formadas, que neste caso basicamente são técnicas, passam a ser sociais onde o automóvel, que foi o catalisador inicial, passa a ser fator secundário ou a desculpa para os contatos e encontros. Pronto, então atingimos um nível mais alto de acesso cultural, aprendendo sempre a cada encontro com os amigos. Não sempre sobre os carros mas, na maioria das vezes, sobre negócios, especialidades profissionais ou cultura em geral. Mais acesso ao maravilhoso mundo do conhecimento.


Finalmente, por causa de dedicação, tempo disponível, experiência profissional, etc., sempre podemos encontrar pessoas que sabem infinitamente mais sobre o nosso hobby que nós mesmos. De novo, aprender desde cedo que não sabemos tudo e quanto mais sabemos, mais existe para aprender e mais, ter exemplos para se espelhar procurando a evolução é mais uma importante lição do maravilhoso mundo do carro antigo.






O carro antigo é uma das poucas formas de arte, senão a única, que podemos levar conosco a qualquer lugar. Curvas e linhas, às vezes apenas com detalhes diferentes, formam obras de alto refinamento artístico e mecânico, altamente diversificadas, de rara beleza e harmonia. Cada automóvel é resultado do trabalho de inúmeros técnicos e artistas obstinados em criar o melhor resultado para um determinado objetivo. Nestas fotos, um Veritas BMW e um Alfa Romeo 8C 2900.